A Blogueira Convidada dessa semana é a Claudia Storvik do blog
Filhos Bilíngues.
A Cláudia é advogada formada pela Universidade Federal do Paraná, com Mestrado (LLM) em Direito Marítimo pela University College London. Trabalha para uma grande seguradora marítima norueguesa, onde edita uma revista especializada em direito e seguro marítimo. Casada com um norueguês e apaixonada por linguística, Cláudia, que já morou nos Estados Unidos, Noruega e há 12 anos vive na Inglaterra, fala português, inglês, norueguês, francês e espanhol. Tem uma filha de 12 anos que fala português, inglês, norueguês e atualmente estuda francês e mandarim. Seu blog
filhos-bilingues.blogspot.com discute estratégias práticas para a educação de crianças bilíngues.
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Filhos bilíngues, Famílias felizes by Claudia Storvik
Para começar, gostaria de agradecer à Paula pelo convite para escrever pro NYWITH KIDS. Sou blogueira novata, mas no processo de criação do meu blog descobri que existe sim uma coisa chamada blogosfera, e principalmente uma blogosfera materna, como a Paula diz. Estou adorando fazer parte dela. No meu blog, eu conto sobre a minha experiência criando uma filha trilíngue na Inglaterra e tento passar informações úteis a brasileiros que moram no exterior e estão tentando ensinar várias línguas, especialmente português, a seus filhos.
Minha casa é uma verdadeira Torre de Babel. Eu sou brasileira, meu marido é norueguês e moramos na Inglaterra, onde nossa filha nasceu e sempre viveu. Português, norueguês e inglês são usados em diferentes situações na nossa rotina familiar diariamente. Eu e minha filha falamos as três línguas, meu marido apenas inglês e norueguês. Como em tantas outras famílias em que os pais têm idiomas maternos diferentes e vivem num país onde uma terceira língua é falada, a definição do sistema linguístico doméstico, ou seja, a decisão de que línguas vão ser faladas em casa, pode depender de fatores existentes antes do nascimento dos filhos, para os quais o casal não dá muita atenção até o momento em que percebe que um sistema alternativo seria melhor para desenvolver o bilinguismo (ou trilinguismo) dos rebentos.
Por exemplo, quando um casal multilíngue se acostuma a falar entre si em determinada língua, eles podem ter grande dificuldade para mudar este costume caso decidam mais tarde que há maiores benefícios para os filhos se eles falarem entre si em outro idioma. Especialistas dizem que é extremamente difícil mudar a língua (ou línguas) em que nos comunicamos com alguém uma vez que o hábito é formado. O idioma usado se torna uma definição do relacionamento. Mudar o idioma é como uma negação do passado. Quanto mais profundo o relacionamento, mais difícil é mudar, e muitos casais acham essa mudança impossível. Em teoria não existe nada que impeça essa mudança, mas na prática parece que isso simplesmente não acontece. Também é por isso que se diz que qualquer tentativa de criar filhos bilíngues que envolva uma mudança do idioma usado pelos pais para se comunicar entre si está fadada ao fracasso.
Quando conheci meu marido eu tinha acabado de me mudar para a Noruega e não falava norueguês. Nossa comunicação se dava em inglês, a única língua que tínhamos em comum. Mais tarde aprendi a falar norueguês, mas continuamos nos comunicando em inglês, apesar de durante um período após o nascimento de nossa filha termos conscientemente tentado mudar para norueguês. Por incrível que pareça, a tentativa fracassou principalmente (embora não unicamente) porque meu marido não conseguia usar norueguês de forma natural e expontânea em sua comunicação comigo e tinha que ser constantemente lembrado do que estávamos tentando fazer. Decidimos então intercalar as duas línguas, usando norueguês de tempos em tempos para expor nossa filha ao idioma, mas a língua natural de nosso relacionamento continuou sendo inglês.
De acordo com um especialista em comunicação que conhecemos em um seminário há alguns anos, esse fracasso em mudar o idioma usado entre nós foi um fato positivo para o nosso relacionamento. Segundo ele, eu e meu marido estamos em uma situação de igualdade, pois ambos usamos uma segunda língua para nos comunicarmos um com o outro. Se tivéssemos conseguido mudar para norueguês meu marido estaria em vantagem, porque a comunicação se daria em sua língua materna, enquanto eu estaria usando uma língua da qual não sou falante nativa. Será?
Quanto à relação com a minha filha, nunca tive a menor tentação de falar com ela em outra língua que não fosse o português. Embora a gente fale em norueguês e inglês quando está com outras pessoas que falam esses idiomas, entre nós duas sempre usamos única e exclusivmente português. Sou o típico exemplo de “você pode tirar a garota do Brasil mas não pode tirar o Brasil da garota”. Amo o Brasil e a língua portuguesa de paixão e não poderia deixar de usá-la para me comunicar com minha única filha. Como dizia Fernando Pessoa, a minha pátria é a língua portuguesa.
Depois de alguns acidentes de percurso, hoje a rotina linguística da nosa família é a seguinte:
Todos juntos: falamos principalmente inglês, e às vezes norueguês
Meu marido e minha filha: falam principlamente inglês, às vezes norueguês
Meu marido e eu: falamos inglês
Minha filha e eu: falamos português
Com esse arranjo minha filha se tornou totalmente bilíngue em português e inglês, tanto falados quanto escritos, e muito competente em norueguês. Nunca forçamos nada, deixamos que as coisas acontecessem sempre da forma mais natural possível.
Como tantas outras escolhas que pais precisam fazer em relação a seus filhos, dar-lhes ou não uma educação bilíngue (ou trilíngue) é uma decisão importantíssima, que tem que ser ponderada e apoiada tanto pelo pai quanto pela mãe. A atitude de cada um dos pais em relação à sua própria língua, à língua do outro e à educação multilíngue em si é muito mais importante que a situação objetiva da família com relação às línguas.
Em alguns casos, criar filhos bilíngues é uma tarefa agrádavel e natural, enquanto que em outros é bem mais difícil. No entanto, se a educação multilíngue for uma prioridade para a família como um todo, a empreitada vai provavelmente ser um sucesso. Acima de tudo, filhos bilíngues devem ser fruto de famílias felizes."